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2025-12-11
Investigadores brasileiros identificaram 90 isoformas de HER2 — um salto significativo face às cerca de 13 isoformas previamente conhecidas — e demonstraram que algumas destas variantes escapam à ação de tratamentos com anticorpos ou conjugados, revelando potenciais novos mecanismos de resistência.
O estudo foi destacado na capa da edição de setembro da revista Genome Research, sublinhando a relevância global da investigação conduzida no Brasil.
Liderado por cientistas do Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês — com a participação de colaboradores nacionais e internacionais —, o trabalho procurou expandir o catálogo de isoformas codificadoras de HER2 através de splicing alternativo, identificando variantes de mRNA e proteína até então desconhecidas em amostras de cancro da mama HER2-positivo. O objetivo incluiu ainda a caracterização funcional dessas isoformas, avaliando domínios estruturais, locais de expressão celular e a presença ou ausência de regiões reconhecidas por anticorpos ou conjugados, de forma a inferir a sua relevância biológica.
Outro objetivo central foi explorar a associação destas isoformas com resistência aos tratamentos anti-HER2, em particular anticorpos e conjugados anticorpo-fármaco (ADCs, do inglês antibody–drug conjugates). Estes objetivos alinham-se com o desafio crescente de compreender porque é que, em muitos casos, tumores HER2-positivos não respondem ou desenvolvem resistência aos tratamentos disponíveis.
Do sequenciamento ao impacto terapêutico
Foram analisadas 561 amostras de cancro da mama HER2-positivo, incluindo tumores primários e linhagens celulares, utilizando dados de sequenciação de RNA (RNA-seq) e proteómica.
As análises integraram transcriptómica e proteómica para confirmar a expressão funcional das isoformas codificadoras. A equipa aplicou um pipeline avançado de bioinformática, capaz de detetar eventos de splicing alternativo, como salto de éxon, utilização de sítios alternativos de splicing e retenção de intrões.
Este trabalho permitiu expandir o catálogo de isoformas codificadoras conhecidas de 13 para 90 variantes diferentes de HER2. Cada isoforma foi caracterizada quanto à presença ou ausência de domínios extracelulares, domínios transmembrana, potenciais locais de ligação a anticorpos e regiões modificadas que poderiam escapar à deteção imunológica.
Os investigadores avaliaram ainda como determinadas isoformas influenciariam a eficácia dos ADCs, que dependem do reconhecimento das regiões extracelulares de HER2. Algumas variantes alteraram ou omitiram domínios de ligação, impedindo assim a ação dos anticorpos. Os dados de expressão destas isoformas foram correlacionados com a resposta terapêutica em modelos celulares, com validações adicionais por proteómica, garantindo que não se tratava apenas de previsões de RNA, mas de proteínas efetivamente traduzidas.
A análise revelou 90 isoformas distintas de HER2, número muito superior às cerca de 13 previamente descritas, com grande diversidade estrutural nos domínios extracelulares e locais de ligação de anticorpos. Muitas destas variantes apresentaram alterações capazes de comprometer o reconhecimento por tratamentos anti-HER2, incluindo ADCs.
Algumas exibiram localização intracelular diferente ou ausência de domínio transmembrana, modificando o seu comportamento funcional. Certas isoformas mostraram associação a menor eficácia de ADCs em modelos experimentais, sugerindo um mecanismo de resistência mediado por splicing alternativo.
Outro ponto relevante é que muitas destas isoformas não são detetadas pelos métodos diagnósticos de rotina, como imuno-histoquímica (IHC) ou hibridização in situ (FISH), o que implica risco de subdiagnóstico ou estimativa errada da expressão de HER2 em contexto clínico.
O papel do splicing alternativo na oncologia de precisão
O splicing alternativo é um mecanismo biológico fundamental para gerar diversidade proteica em tecidos normais e patológicos. Na oncologia, isoformas alternativas podem ativar vias de sinalização distintas, contornar mecanismos regulatórios e favorecer resistência terapêutica. Estudos recentes têm reforçado o seu papel crítico na progressão tumoral e como fonte de heterogeneidade intratumoral.
No caso do HER2, descrições anteriores já apontavam variantes específicas, como a HER2D16, associada a maior oncogenicidade e possível resistência a anticorpos. Isoformas como p100 ou herstatin também tinham sido identificadas como variantes secretadas com potencial efeito modulador.
Contudo, esses estudos isolados restringiam-se a poucas variantes. A contribuição brasileira está em mapear de forma exaustiva este repertório e demonstrar que grande parte dele não é atingido pelos tratamentos convencionais.
A resistência a terapias anti-HER2 tem sido atribuída a múltiplos mecanismos, como mutações pontuais em ERBB2 que alteram a estrutura do recetor, heterodimerização com EGFR ou HER3, ativação de vias compensatórias como PI3K/AKT e MAPK, mutações em genes como PTEN e PIK3CA, alterações na internalização do recetor e própria heterogeneidade tumoral.
O estudo brasileiro acrescenta um novo capítulo a esta lista ao demonstrar que, mesmo sem mutações, o splicing alternativo pode gerar versões “invisíveis” de HER2 que escapam tanto à deteção diagnóstica como ao bloqueio terapêutico.
As implicações diagnósticas são relevantes. Métodos como IHC e FISH avaliam a presença de HER2 com base em regiões estáveis da proteína ou na amplificação do gene, mas isoformas que omitam essas regiões podem originar resultados falsamente negativos. Isto pode subestimar a complexidade da expressão de HER2 e comprometer a escolha terapêutica.
Do ponto de vista do tratamento, a eficácia dos ADCs depende da ligação a epítopos extracelulares. Isoformas que alterem esses epítopos tornam-se, portanto, um mecanismo concreto de escape.
Estudos recentes mostram que isoformas alternativas em vários oncogenes influenciam a resposta terapêutica e o prognóstico. No caso do HER2, trabalhos anteriores sugeriam que isoformas específicas modulam a heterogeneidade intratumoral e afetam a sensibilidade a fármacos. A investigação brasileira expande esta noção ao revelar que a diversidade de HER2 é muito maior do que se reconhecia.
É importante referir que, apesar de robusto, o estudo apresenta limitações. São necessárias validações funcionais em modelos in vivo e em coortes clínicas prospetivas para determinar o impacto de cada isoforma individual. Algumas variantes surgem em níveis baixos, o que coloca desafios de deteção e interpretação.
Além disso, tumores metastáticos e primários podem exibir perfis distintos de isoformas, aumentando a complexidade. A integração deste conhecimento na prática clínica dependerá de tecnologias diagnósticas mais sofisticadas, como RNA-seq clínico ou painéis específicos, ainda de acesso limitado no Brasil e noutros países.
Comparações internacionais indicam que o splicing alternativo desempenha um papel crucial noutros tumores. Estudos recentes mostram, por exemplo, que elementos transponíveis podem modular eventos de splicing em cancro da mama, acrescentando novas camadas de complexidade. Outros trabalhos sugerem que incorporar perfis de isoformas em modelos metabólicos poderá melhorar a previsão de fenótipos tumorais. A tendência é que a oncologia de precisão avance não apenas para quantificar genes ou proteínas totais, mas para perfilar isoformas específicas como biomarcadores e alvos terapêuticos.
Perspetivas futuras na resistência e no diagnóstico do cancro da mama
O catálogo expandido de 90 isoformas de HER2 representa um avanço substancial face ao conhecimento prévio. A descoberta de que variantes alternativas podem escapar tanto à deteção diagnóstica como à ação de terapias anti-HER2 mostra que o splicing alternativo é mais um mecanismo de resistência no cancro da mama HER2-positivo. Muitas destas variantes permanecem invisíveis para os métodos tradicionais, reforçando a necessidade de rever critérios clínicos.
Os próximos passos incluem validar isoformas específicas em coortes clínicas prospetivas, correlacionando a sua presença com resposta terapêutica e desfechos de pacientes. Há necessidade de desenvolver métodos diagnósticos capazes de identificar estas variantes, como painéis clínicos de RNA-seq ou PCR digital. Outra linha de investigação é o desenvolvimento de anticorpos e conjugados que reconheçam regiões menos sujeitas a splicing, ou múltiplas isoformas simultaneamente.
O estudo abre ainda caminho para avaliar se determinadas isoformas poderão servir como biomarcadores prognósticos ou preditivos, orientando a escolha terapêutica. Além disso, sugere-se ampliar colaborações internacionais para comparar perfis de isoformas entre diferentes populações.
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